O que é resiliência: a arte de sacudir a poeira
Dr. André Luis Gomes
24 de mar. de 2021 - Leitura de
3 min
Quem nasceu nos gloriosos anos de 1980 deve ter passado por uma experiência parecida com a que eu vou descrever aqui. Era muito comum eu passar tardes de sábado e domingo com meu pai, na sala, assistindo e re-assistindo aos filmes do Rocky Balboa. Meu pai nunca fez a conexão com o que eu vou falar aqui, mas sempre dizia que o Rocky era invencível no ringue porque conseguia suportar mais do que ninguém as pancadas que levava.
Na época eu não tinha como me aprofundar mais nesse aspecto do personagem de Silvester Stallone, mas, por irônico que seja, hoje acho que essa lembrança acabou sendo formadora para mim. Anos e anos depois destas tardes com meu pai, descobri que isso que o Rocky tinha de sobra tem um nome: resiliência.
Nós falamos sobre ser resiliente praticamente todos os dias dentro das nossas unidades de saúde. Resiliência deriva da palavra em latim Silie, que significa pulo ou salto. Acrescentaram um prefixo re, para formar o termo que significa saltar seguidas vezes de volta. Esta palavra foi usada primeiro pela física, no século XVII, para descrever a propriedade de alguns materiais de retornarem ao seu estado natural após terem sido torcidos, esticados, pressionados ou esmurrados. Igual ao Rocky!
A resiliência entra na nossa vida como uma habilidade (vamos falar algo importante sobre essa característica mais para baixo). Ela é essencialmente a capacidade de nos adaptarmos aos imprevistos e às mudanças, superarmos obstáculos e seguirmos adiante na nossa missão. E se temos alguma certeza nessa vida é que obstáculos e eventos inesperados vão surgir o tempo todo. Ser capaz de se adaptar independente do que acontecer é extremamente importante para nossa qualidade de vida on longo prazo.
Podemos aprofundar ainda mais, quando tomamos consciência que uma das coisas que mais nos tira do caminho é a pressão. Pressão para fazer as coisas acontecerem, paras sermos melhores, pressão dos nossos colegas de trabalho, dos nossos pacientes, dos nossos familiares que nos querem mais perto e presentes. Grande parte da limitação está dentro de nós, mas isso é assunto para outro dia. Então, voltando para o conceito de resiliência, temos: problemas, pressão e flexibilidade para aguentar tudo isso.
Uma observação importante antes de continuarmos: ser resiliente não significa ser invencível, até porque ninguém é invencível. Rocky é um filme de ficção e a conexão que eu faço aqui é no campo da alegoria, uma metáfora. Por princípio, ninguém merece sangrar em demasia para conquistar algo em que não acredita. Mas quem acredita no que faz sabe que sangue, suor e lágrimas são parte do trajeto. Esta é uma das principais mensagens desse filme e de outras milhares de estórias que fazem parte da nossa cultura.
Ser resiliente significa que você irá sair da sua casa atrasado para uma reunião importante, vai ver que seu pneu está furado, trocar o pneu, se sujar, no caminho do trabalho bater o carro, largar o carro no local, pegar um Uber com tarifa dinâmica, chegar na reunião a tempo para desenvolver um trabalho sensacional. As dificuldades do dia não interferiram na sua missão, tudo ficou para trás, você seguiu inabalável, ainda que estressado, pressionado, machucado.
O contrário desse cenário hipotético seria ainda mais desolador: já cancelar a reunião assim que o pneu furar. Voltar para casa reclamando que um dia que começa péssimo, termina pior. Desistir de algo que você acredita. Pensar desse jeito interfere no resultado não só da reunião importante que você perdeu, mas também de todas os outros eventos que acontecem em meio aos obstáculos usuais da vida.
Resiliência é uma habilidade. Pode ser treinada e desenvolvida. Dificilmente, depois de ler esse texto, você se tornará imediatamente 5 pontos mais resiliente no seu Super Trunfo (outra referência aos 1980, desculpem). Mas, pode ter certeza, que se você prestar atenção no seu dia a dia, você irá melhorar um pouquinho e quando ver, terá passado um ano e vai se pegar pensando como os problemas do passado - que, naturalmente, vão se apequenando com o passar do tempo - lhe abalavam e agora você resolve problemas muito maiores - porque imediatos.
Todos os dias, pelas manhãs, tiro alguns minutos para pensar em como posso ser mais resiliente, como posso seguir minha missão apesar de todas as dificuldades que irão aparecer no meu dia ou na minha vida. Penso em como posso manter tudo funcionando, apesar dos imprevistos. Eu ainda estou muito longe de ter a resiliência que gostaria, mas dá bastante satisfação me imaginar conversando com o André de 5 anos atrás e vendo como eu evolui nesse sentido.
Quando paramos para pensar, nos vemos no lugar do Rocky, levando pancada de todo lado (COVID-19, aumento na demanda dos atendimentos, abertura da nossa nova enfermaria, pressão para manter a satisfação dos clientes alta e por ai vai). Mas no final a gente vai estar lá, com os olhos inchados, a boca sangrando, o supercílio cortado, com o braço erguido, comemorando nossa capacidade de apanhar e seguir lutando, sabendo que tudo foi uma grande lição e que agora seguimos mais experientes no nosso caminho. O caminho que a gente quer percorrer.
Fortaleçam a resiliência que isso nos fará ganhar a luta!