Após sobreviver a caso grave de covid-19, paciente volta ao hospital para comemorar aniversário.
Gabo Morales
25 de ago. de 2021 - Leitura de
7 min
No início de Junho a empresária Angela Aparecida Periziario descobriu que estava com covid-19. Durante todo o período da pandemia ela tinha certeza que, se fosse infectada pelo vírus, "tiraria a doença de letra". Mas não foi o que aconteceu.
Perizario começou a sentir-se mal na manhã do dia 9. Seu esposo, Edinilson Moreira, também havia testado positivo, mas seguiria isolado em casa pelos próximos dias. Com a ajuda de sua filha, a fisioterapeuta Jéssica Aparecida Moreira, foi até o Pronto Socorro da Santa Casa de Boa Esperança do Sul, cidade onde mora, na região central do Estado de São Paulo. Após receber atendimento, voltou para casa. Nos dias seguintes, no entanto, o desconforto foi aumentando até chegar a um ponto crítico.
De volta à Santa Casa no dia 11, os médicos decidiram interná-la. Seu caso era grave e continuava a piorar. Como a instituição não tem uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI), Jéssica e sua sogra, a auxiliar de enfermagem Vilcéia Therezinha Vollet, começaram a buscar leitos disponíveis para a transferência de Angela. "Tentamos vaga em hospitais de Araraquara, Matão, Jaú. Mas não tivemos sucesso. Estava quase impossível encontrar um leito para ela", relembra a filha. "Foi quando, finalmente, a chefe da enfermagem, Ana Carolina, entrou em contato com um médico de São Carlos que ela conhecia".
Dr. Jardel Mesquita comanda a dois anos o Pronto Atendimento 24h do Norden Hospital em São Carlos. Quando, na tarde de 11 de junho de 2021, recebeu a ligação da enfermeira chefe da Santa Casa de Boa Esperança percebeu imediatamente que era um caso muito grave. Juntos à equipe assistencial do Norden e com o time que já cuidava de Angela, Dr. Jardel e o cardiologista Dr. Matheus de Oliveira avaliaram os riscos da transferência da paciente pelos quase 70 km que separam as duas cidades.
O estado de Angela só piorava. A saturação em seu sangue — quantidade de oxigênio disponível para manter o funcionamento normal do corpo — variava entre 60 e 40%, quando o mínimo aceitável é acima de 95%. Ela não sobreviveria à viagem sem ventilação nos pulmões. Para garantir o máximo possível de segurança no trajeto, a família teve a ajuda essencial do médico Igor Baldi, que se manteve ao lado de Angela até o seu destino.
Mesmo com o suporte cuidadoso de enfermeiros, técnicos e do Dr. Baldi, as horas seguintes foram tensas. Jessica não consegue conter o choro quando lembra dos momentos que antecederam a chegada de Angela ao Norden Hospital. "Eu saí de Boa Esperança do Sul algumas horas antes do que minha mãe para conseguir deixar tudo organizado para a chegada dela", relata a fisioterapeuta. "Quando a Ellis [Vizzeli Meschini, recepcionista do Norden] me viu ela percebeu que eu estava muito abalada."
Segundo relatos da família e da equipe que a acompanhava, no caminho a saturação de Angela melhorou ligeiramente, "parece até que melhorou o suficiente apenas para chegar até São Carlos, como se fosse a mão de Deus", lembra, emocionada, Jessica.
Por volta da 1h30 da madrugada do dia 12 de junho, a UTI móvel estacionou à frente do Hospital localizado na Avenida Getúlio Vargas. Mesmo com o grande número de pessoas internadas na unidade, principalmente no isolamento da covid-19, boa parte da equipe se mobilizou para receber a paciente de Boa Esperança, dada a gravidade do caso.
Uma Missão a Cumprir
"Falam que se sobrevivemos a algo tão grave é porque ainda temos uma missão a cumprir", conta Angela Periziario, no dia de seu aniversário de 46 anos, quase um mês e meio após ter tido alta do Hospital. Ela esta ao lado das duas filhas, Jessica e Larissa Moreira. Naquela tarde de Agosto elas a acompanham em duas visitas muito importantes: a primeira para compartilhar um bolo de aniversário com a equipe assistencial do Norden Hospital. A segunda, para celebrar seu Ano Novo com o time da Santa Casa de Boa Esperança.
Angela continua: "Para mim é como se eu tivesse nascido de novo. Decidi comemorar meu aniversário nos locais onde fui atendida porque eu nunca antecipei que ia passar pelo que passei. Eu nunca tinha imaginado encontrar essas pessoas pelo meu caminho e, principalmente, que me tratariam com tanto cuidado."
Do início da madrugada do dia 12 até a manhã de 2 de julho de 2021, Angela permaneceu sob cuidados intensivos no Norden em São Carlos. Foram 20 dias de internação. Durante todo esse período, o cardiologista Dr. André Luis Gomes, Diretor Médico do hospital, liderou a equipe que traria, dia após dia, a paciente à recuperação.
"A coragem e a força que vemos nos pacientes muitas vezes vai além da compreensão", relembra Gomes. "Foram muitos os momentos desafiadores para nós que trabalhamos com saúde durante a pandemia, mas este com certeza foi um dos maiores."
Por cerca de 12 dias, Angela permaneceu sedada, em coma induzido. Durante todo esse período ela teve febre, um sinal da gravidade da sua condição física. Como a covid-19 pode causar disfunção em vários órgãos do corpo, a equipe multidisciplinar precisava agir de forma cuidadosa. "No tratamento, por exemplo, a administração de soro precisa ser muito criteriosa", diz o cardiologista. "Se o soro se acumula nos pulmões piora a saturação. Por outro lado, se o paciente desidratar, os rins, que já estão fragilizados, podem parar de funcionar de vez. Para encontrar esse equilíbrio, fazemos exames de ultrassom do abdome de hora em hora para definir o volume ideal de líquido."
Apesar da situação delicada, Angela dava diariamente pequenos passos de melhora e a equipe de técnicos, enfermeiros, fisioterapeutas e médicos manteve-se focada. No dia 24 de julho, o time iniciou um protocolo especial para acordá-la e retirá-la do ventilador mecânico. No dia seguinte, tiveram sucesso.
A partir desse momento, Angela manteve uma recuperação sustentada e consistente. No quarto com a família, começou a enfrentar um outro desafio, no entanto. Por conta dos vários dias de uso de sedativo, ficou com fraqueza muscular intensa e não conseguia levantar da cama. "Isso fez com que ela muitas vezes ficasse agitada e um pouco deprimida", relembra o Dr. André Gomes. "E é compreensível, claro. Mas de um dia específico em diante ela mudou. Fiquei me perguntando o que aconteceu exatamente, mas é como se alguma chave tivesse virado dentro dela. Se tornou mais alegre e determinada a ter alta."
No dia 2 de julho, já livre da necessidade constante de oxigênio, Angela pôde voltar para casa.
Uma nova vida
No caminho de volta a Boa Esperança do Sul, Angela Periziario foi mais uma vez acompanhada pelas filhas Jessica e Larissa. Apesar de recuperada da covid-19, ela ainda precisaria de várias semanas de atenção das duas e do esposo para voltar a realizar, com autonomia, sua atividades diárias.
“Minha família me ajudou demais na recuperação", conta Angela. "Fui melhorando dia após dia com a ajuda de todos. Em três semanas já fazia tudo sozinha de novo."
São comuns relatos de mães, pais e filhos que se aproximam mais depois de uma experiência como a da família Periziario. Segundo o psiquiatra e professor Bruce Greyson, que estuda a mais de 40 anos os efeitos de quase-morte em indivíduos e famílias, esses acontecimentos resultam em atitudes mais carinhosas consigo e com os outros, mais aceitação e compaixão pelo próximo, maior senso de significado e propósito na vida, menos interesse em coisas materiais. Dr. Greyson lançou este ano um livro e uma série na Netflix, Vida Após a Morte, que trata do assunto.
Quando a nossa rotina segue no automático é difícil tirarmos um momento que seja para refletirmos sobre como seria perder alguém que amamos. Infelizmente, é necessário que às vezes sobrevivamos a um acidente ou uma doença grave para que coloquemos em perspectiva a importância de aproveitarmos ao máximo a presença e a proximidade de um ente querido. É claro, no entanto, que ninguém deseja passar por uma experiência como essa. Nem nossas famílias, tampouco nós mesmos. Mas quando ela acontece, que aproveitemos para mudar positivamente nossa presença e propósito.
Foi o que aconteceu com Angela. Mesmo voltando à sua rotina na JL Luvas, a empresa da família, ela se considera uma pessoa muito diferente hoje. A filha Jessica, concorda: "A gente se uniu muito mais depois desta experiência", diz. "Estávamos distantes por conta da nossa rotina de trabalho. O que aconteceu com minha mãe fez com que todos nós deixássemos de dar importância para coisas que parecem pequenas, mas que antes tomavam um tempo precioso nosso."
Durante a comemoração do aniversário, no Norden, o Dr. André Gomes não conteve a curiosidade e perguntou a Angela Periziario o que aconteceu no Hospital para lhe trazer de volta a alegria e a vontade de voltar para casa. Segundo ela, o motivo foi um vídeo. Nele, sua neta Alice, de 4 anos, canta a música Um Novo Dia Virá: "Tenha força, tudo vai passar. Nunca perca a esperança um novo dia virá."
A mensagem da pequena Alice era o que Angela precisava para redefinir a missão que, naquele momento, tinha de novo uma vida inteira para cumprir.