Quando a ansiedade é normal. E quando não é.
Clariana Cardin
20 de abr. de 2022 - Leitura de
7 min
Ansiedade é normal. É isso mesmo que você leu: ansiedade é natural e, para além disso, é uma emoção fundamental para a manutenção da nossa sobrevivência.
Imagine a seguinte cena: você está caminhando por uma trilha e, de repente, se depara com uma cobra. É muito provável que você pensará rapidamente estar numa situação de perigo, sentirá seu coração acelerar e terá vontade de fugir. O que permite que você planeje e execute seu plano de fuga é, justamente, a ansiedade.
As emoções são constituídas por três partes:
Pensamento — no caso da ansiedade, relacionado ao futuro, de que algo poderá dar errado.
Sensação física — taquicardia, sudorese, respiração acelerada, dor no estômago, dentre outras inúmeras reações fisiológicas.
Vontade — na ansiedade, de fugir.
A ansiedade, portanto, funciona como um alarme nos avisando que há um perigo iminente e, para nos proteger, precisamos agir. Entretanto, a ansiedade pode se tornar inútil ou prejudicial – por muitas vezes até colocar o indivíduo em uma condição de intenso sofrimento e fragilidade – se esse alarme estiver descompensado, nos paralisando ou soando em decorrência de um perigo irreal.
O Brasil está entre os países com maior número de pessoas diagnosticadas com Transtorno de Ansiedade Generalizado (TAG) no mundo. Uma pesquisa produzida pela Organização Mundial de Saúde em 2019 identificou cerca de 19 milhões de brasileiros acometidos por esta condição. Há indícios de que a situação pode ter piorado nos últimos dois anos.
Com esses números preocupantes, torna-se, então, uma necessidade criarmos formas e ferramentas para gerenciar a nossa ansiedade e saúde mental.
Saiba cuidar do seu corpo.
A psiquiatria não valida mais o conceito de doenças psicossomáticas. Pelo simples fato de que qualquer transtorno mental se manifestará, também, no corpo. Lembre-se que uma das partes que constituem as emoções é, justamente, a sensação física. Se a ansiedade tem sintomas físicos como taquicardia, tremor, boca seca, dor abdominal e tensão muscular, não há a necessidade de fazer alguma distinção, uma vez que podemos considerar todas as doenças mentais como psicossomáticas.
Mente e corpo buscam trabalhar de forma cooperativa. Quando sentimos ansiedade em uma situação que exige fuga, nosso corpo fará um deslocamento de energia do sistema digestivo, por exemplo, para os nossos músculos porque considera mais importante naquele momento investir em nossa capacidade de correr.
Entretanto, quando aquele nosso alarme está descompensado e sentimos ansiedade repetidas vezes (mesmo não estando em uma situação de real perigo), ficamos submetidos a um deslocamento de energia recorrente que deixará partes do nosso corpo debilitadas – aumentando as chances de, ao longo do tempo, desenvolvermos gastrite, doenças da pele, quedas de cabelo e diminuição da imunidade, entre outras condições.
Fortalecer nosso corpo é uma forma eficaz de torná-lo mais hábil para enfrentar situações ansiogênicas. Ademais, pessoas que praticam exercício físico regularmente têm de 30 a 50% menos chance de desenvolver algum transtorno de ansiedade. O tempo mínimo recomendado de exercício físico para controle ou prevenção de transtornos de ansiedade (e, bônus, também para depressão!) é 75 minutos semanais de atividade intensa ou 150 minutos de atividade moderada.
Atente-se, também, para a qualidade do sono. Um bom sono restaura sua mente e seu corpo, favorecendo a maneira como eles administram as suas emoções. Se você costuma ter um sono ruim, experimente ajustar a iluminação do seu quarto utilizando luzes amarelas, fracas e indiretas para um maior relaxamento. Além disso, busque dormir sempre no mesmo horário e evite deitar-se com celular ou outras telas em mãos.
Saiba fazer uma coisa de cada vez.
A ansiedade costuma nos polarizar no seguinte aspecto: ou nos encontramos em meio a uma desorganização plena, ou ficamos demasiadamente perfeccionistas. E qualquer um desses cenários cria um ciclo vicioso que gera ainda mais ansiedade.
A organização, nesses casos, é uma excelente aliada. Manter uma agenda simplifica a rotina diária, estrutura melhor os compromissos e nos libera — mesmo que parcialmente — da tarefa de ficarmos atentos ao todo. Atarefados que somos, tenderemos a sentir um grande desconforto se olharmos de uma só vez para todos os compromissos do nosso dia por termos uma falsa impressão de que teremos que realizar tudo ao mesmo tempo — o que seria impossível. Mirar em uma tarefa por vez, torna cada execução mais viável, mais real e menos penosa.
Além disso, meditar é um hábito que pode ajudar muito. A meditação é, ao lado das atividades físicas, um dos melhores antídotos não medicamentosos contra os efeitos da ansiedade no corpo e na mente.
Saiba instalar-se na sua realidade.
Quando estamos desconectados da realidade, prejudicamos a nossa capacidade de enxergar o que é efetivamente da nossa competência. Só iremos lidar com eficiência e desenvoltura com os conflitos ou problemas que surgem quando sabemos ao certo com quais ferramentas podemos contar e, assim, selecionar as melhores delas.
O médico neurologista e criador da psicanálise, Sigmund Freud, escreveu sobre uma situação pela qual quase todos nós passamos no início da vida. É um evento que nos traz grande frustração — apesar de ser ao mesmo tempo uma grande conquista a caminho da maturidade. Trata-se da descoberta de que não somos onipotentes. É isso mesmo. Em algum momento da infância, descobrimos que não temos poder absoluto. No entanto, ao mesmo tempo que a criança quando desprovida dessa fantasia pode se sentir desamparada, é a partir dela que formará as bases para uma visão de si mesma mais condizente com a vida real.
Embora tenhamos todos em algum momento nos deparado com a nossa tão característica impotência, vacilamos às vezes em reafirmar a nós mesmos que a crença em nossa onipotência segue sendo uma fantasia também na vida adulta. Uma vez iludidos, corremos o risco de investir em práticas e ações para as quais talvez sejamos absolutamente incompetentes. Um dos efeitos prejudiciais desse descolamento da realidade é justamente fomentar a ansiedade.
Imagine o seguinte cenário: vou à savana munida de uma fantasia de onipotência e apegada à ideia de que serei capaz de lutar contra um leão, na hipótese provável de que ele apareça. Mesmo iludida, no momento em que encontrar esse predador pelo caminho, experimentarei uma ansiedade muito, muito elevada. Afinal, trata-se de um animal feroz cujas habilidades e ações estão fora de meu controle.
A ansiedade que eu experimento em situações como essa poderia ter sido mitigada por ações que eu de fato controlo. E é importante saber quais são elas. Quando instalada na realidade das minhas limitações, ao invés de contar com minha (irreal) habilidade de vencer aquele grande felino, eu poderia investir meus esforços e minha energia em tangenciar seu território ou, ainda melhor, transpô-lo usando ferramentas que, ao mesmo tempo, demonstram onde sou superior ao leão e onde sou mais frágil: dentro de um carro, por exemplo, estaria mais protegida do ataque e manteria a ansiedade em níveis normais.
O grande problema de não tornarmos mais sofisticada a habilidade de enxergar nossas efetivas competências e incompetências é que somos levados a crer em suposições irreais e ineficazes. Contar meramente com a sorte ou com algo que escapa em absoluto da nossa capacidade de gerenciamento, é desperdiçar uma energia que poderia ser direcionada ao que realmente faz diferença. Ou seja, acabamos ficando mais vulneráveis e desprotegidos. Além disso, manter as tentativas de perseguir algo inatingível esgota as energias – e potencializa a ansiedade – justamente porque não tem fim. A sensação de fracasso torna-se permanente. Apenas o investimento útil de energia trará sensação de bem estar. O investimento inútil somente nos trará de volta... ansiedade.
E não precisa ficar desesperançoso! Ainda que nossas potências sejam limitadas, quando bem reconhecidas e bem aplicadas, conseguimos realizar grandes feitos ao atribuir uma ordem saudável e promover resoluções importantes em nossas vidas que trarão muitos benefícios à nossa saúde (seja emocional, física, social ou espiritual).
Saiba aceitar que problemas virão!
Não alimente a idealização de que tudo dará certo sempre. Quando resolvemos um problema em nossas vidas, não nos livramos automaticamente de todos os outros.
Aquele portal definitivo que nos encaminha a um “felizes para sempre” só existe na ficção — e olhe lá. Na realidade, a única coisa permanente é a sucessão de impermanências que todos experimentamos. Ora felizes, ora tristes. Ora a vida se desenrola bem, ora se desenrola truncada, como uma verdadeira colecionadora de conflitos.
Cabe a nós, primeiro, a compreensão e a aceitação de que esse bailar é inevitável e, até, irrecusável. Segundo, devemos nos colocar como protagonistas das nossas próprias biografias: assim, calibramos nossa autonomia e nos damos a chance de escrevê-la de forma mais satisfatória e saudável.
Lutar contra fatos que não podem ser negados potencializa a ansiedade e nos distrai da nossa condição de tomar atitudes que poderiam efetivamente melhorar nossa qualidade de vida. Santo Agostinho, muitos séculos atrás já nos deu uma eficaz receita: Conhece-te. Aceita-te. Supera-te.
Saiba quando é hora de buscar ajuda.
Se você ao invés de apenas sentir ansiedade se perceber enfrentando crises de ansiedade, busque ajuda profissional.
As crises costumam gerar sensações ainda mais intensas, como ataques de pânico com falta de ar, sensação de afogamento, de desmaio ou até mesmo sensação de morte. Tratamentos medicamentosos e terapias — seja psicoterapia, psicanálise ou Terapia Cognitivo Comportamental (TCC) — geralmente são necessárias para controlar a ansiedade.
Transtornos de Ansiedade geram uma intensa carga de sofrimento para quem os vivencia. O incentivo ao enfrentamento da situação que gera ansiedade severa tem que estar amparado pelo olhar e pela orientação de profissionais. Você demanda e merece cuidado!
Para falar com um especialista em saúde mental do Norden Hospital, envie uma mensagem por aqui.
Clariana Cardin é psicóloga pela Universidade Estadual Paulista (UNESP), especializada desde 2013 em psicanálise infantil pelo Instituto Sedes Sapientiae. Além de mais de 10 anos de prática clínica, estuda e atua com Psicologia Hospitalar, com cursos no Hospital Albert Einstein, Casa do Cuidar e, mais recentemente, especialização em Cuidados Paliativos pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCAR). Atualmente realiza atendimentos remotos para todo o Brasil e presenciais na cidade de São Carlos.