Bem-Estar

Saiba Identificar e Tratar Doenças Psicossomáticas.

Saiba Identificar e Tratar Doenças Psicossomáticas.

Quando ouvimos a citação "mente sã, corpo são" podemos até pensar que trata-se de algo místico ou até esotérico. Mas, na verdade, este ditado com origem no Latim — mens sana in corpore sano —  tem implicações reais para a ciência, que há séculos identifica a relação entre psicologia e fisiologia nas doenças psicossomáticas.

O transtorno psicossomático é uma condição em que o sofrimento emocional pode afetar o corpo, resultando em sintomas físicos. Esses sintomas podem se manifestar de várias maneiras, como alterações em funções do corpo, incluindo alergias, gastrite, diabetes, hipertensão, asma e outros problemas de saúde, geralmente sem causa médica identificável.

Na prática, pensamentos, sentimentos ou preocupações excessivas afetam o funcionamento do organismo. Como bem definiu a médica Cicely Saunders no conceito de dor total, todos os aspectos da vida de uma pessoa, sejam eles físicos, emocionais, sociais ou espirituais, são afetados em alguma medida quando há a manifestação do sofrimento.

Os profissionais da saúde mental costumam dizer que “quando a mente adoece, o corpo sente”. Este efeito, também chamado de somatização, parece ser um sinal do nosso organismo indicando que nossa saúde mental precisa de atenção.

Os sintomas somáticos são comuns. Ocorrem em cerca de 5% a 7% da população em geral, de acordo com uma pesquisa feita em 2020 pelo hospital e centro acadêmico norte-americano Cleveland Clinic. Por razões que ainda não são totalmente compreendidas, as mulheres relatam cerca de 10 vezes mais dor somática do que os homens.

Na pandemia, os casos de doenças psicossomáticas ganharam ainda mais força. Em uma entrevista à BBC News Mundo, o psicólogo Emiliano Villavicencio, chefe da pós-graduação da Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da Universidade de La Salle, na Cidade do México, relatou que vários pacientes apresentaram sintomas do coronavírus sem terem sido infectados. Esses sintomas não são causados pelo vírus em si, mas sim por um estado geral de ansiedade e preocupação com a doença.

Uma das características dos transtornos psicossomáticos é seu círculo vicioso: pessoas nesta condição tendem a não relacionar as suas dores e indisposições a problemas emocionais. Por conta disso, procuram por médicos com mais frequência em busca de exames e tratamentos. Como muitas vezes o diagnóstico falha em identificar a somatização, o paciente sente ainda mais frustração e angústia, potencialmente piorando o seu quadro físico e mental.

Não é difícil imaginar que situações de estresse extremo, transtornos de ansiedade e depressão agravam e facilitam o desenvolvimento da somatização — e pior, em adição a todos os seus outros efeitos nocivos na qualidade de vida do paciente.

O que causa as doenças psicossomáticas?

 Homem estressado e preocupado segurando óculos na frente do computador. Equipe médica discutindo diagnóstico de paciente.

Primeiro, é importante lembrar que existem diferentes tipos de estresse. Alguns têm efeitos positivos em nosso corpo e mente. Afinal, se até o medo — uma sensação universalmente detestada — tem sua importância na evolução humana, o estresse, cuja resposta fisiológica mais comum pode ser a liberação de adrenalina no sangue, é parte da nossa vida para o mal e para o bem.

O bom estresse pode estar associado a situações que tornam a vida interessante, agradável e emocionante. Todo mundo gosta da sensação de dever cumprido, por exemplo, mesmo que esforço e sacrifício fizerem parte do processo de cumprir uma meta — aliás, é até melhor assim. Além disso, quem nunca sentiu grande entusiasmo antes ou durante uma viagem? Aquele frio na barriga quando estamos prestes e dispostos a encarar o desconhecido.

Por outro lado, grandes perdas, mudanças mal planejadas ou repentinas, incertezas, pressão dos pares e outras situações de nervosismo geram em muitas pessoas um estresse extremamente prejudicial à saúde.

Assim como quando você está bem e seu corpo sente efeitos positivos, estar mal psicologicamente gera consequências negativas no organismo. Embora os mecanismos exatos desta interação não sejam completamente compreendidos pela ciência, estudos indicam que o estresse e a depressão podem ser expressos como dor física e doença.

É importante compreender que não existe uma causa única associada ao desenvolvimento de doenças psicossomáticas. A somatização é influenciada por fatores pessoais, individuais e biológicos de acordo com as condições de vida do indivíduo. Além disso, algumas doenças psiquiátricas, como ansiedade, depressão e estresse, podem aumentar a probabilidade de desenvolver a somatização. Entretanto, alguns fatores externos podem colaborar para o seu desenvolvimento, tais como:

  • Vulnerabilidade genética e biológica (ex., maior sensibilidade à dor);
  • Experiências traumáticas precoces (ex., violência, abuso, privação) e aprendizagem (ex., atenção obtida por causa da doença);
  • Normas culturais/sociais que desvalorizam e estigmatizam o sofrimento psicológico em comparação com o sofrimento físico;
  • Estresse e episódios traumáticos;
  • Vítimas de violência psicológica, física ou sexual;
  • Sofrimento psicológico.

Dessa forma, as doenças psicossomáticas podem ser causadas pelo acúmulo intenso e prolongado de emoções negativas em conjunto com alguns fatores externos. Alguém que está sob estresse e não é capaz de “desabafar” suas emoções ou que tenta “manter tudo sob controle” mesmo durante o caos, poderá levar a um ponto de ruptura emocional. Esta ruptura se manifesta no corpo também.

Quais são os sintomas dessa doença?

Por ser um transtorno causado pelas emoções, não há sintomas padronizados. Pessoas diferentes experimentam os efeitos do estresse de formas diferentes. Os sinais corporais variam em cada indivíduo pois temos níveis diferentes de resistência a emoções negativas e podem, inclusive, estar associados a uma patologia específica.

Entre as mulheres, são comuns sintomas de fadiga, irritabilidade e alteração no ciclo menstrual. Enquanto homens, quando vão ao médico, têm maior probabilidade de relatar dor no peito e aumento da pressão arterial.

Algumas outras condições comuns são:

  • Dor de cabeça e enxaquecas;
  • Alergias;
  • Alterações gástricas, como gastrite nervosa, enjôo, queimação, dor, entre outras;
  • Alterações digestivas, como diarreias;
  • Resfriados frequentes;
  • Aparecimento de manchas roxas e avermelhadas pelo corpo sem nenhum real motivo aparente;
  • Dificuldade para dormir, resultando em insônia.

Doenças psicossomáticas podem ter impacto em outras atividades do indivíduo que, quando afetadas, podem ter efeitos físicos negativos. A sexualidade é um exemplo claro disso.

Quem pode diagnosticar as doenças psicossomáticas?

Mulher conversa com terapeuta: quem pode diagnosticar as doenças psicossomáticas?

Quando um paciente passa por uma consulta médica relatando sintomas físicos, investiga-se, primeiramente, uma explicação física para a sua dor.

Mas o transtorno psicossomático, apesar dos seus efeitos claros no funcionamento do corpo, não se trata, necessariamente, de uma doença física. Neste primeiro encontro, a chance de não haver um diagnóstico concreto para as dores faz com que parte dos pacientes não levem os sintomas a sério. A outra parte fica ainda mais frustrada com a inconclusão do tratamento.

Para mitigar estes dois riscos à qualidade de vida do paciente, é sempre importante o médico de atenção primária ter conhecimento do estado de saúde mental do paciente. Se uma fonte de estresse é identificada, ela pode e deve ser observada com cuidado e atenção. Ao identificar esta causa em conjunto com o paciente, o clínico deve agir da mesma forma que faria com qualquer enfermidade específica: encaminhar a um especialista.

No caso da somatização, os especialistas mais indicados são um psiquiatra e um psicólogo (mas outros podem vir a ser importantes ao longo do tratamento).

O diagnóstico — ou, para ser mais claro, suspeita — inicial deve ser confirmado e concluído pelo médico psiquiatra. Eles avaliam os relatos e sintomas apresentados pelo paciente e definem um curso de tratamento que pode envolver exames físicos e laboratoriais, além da participação de outros especialistas e do time de atenção primária que iniciou o atendimento.

Como é feito o diagnóstico?

Antigamente, os diagnósticos se concentravam na ausência de explicações médicas para os sintomas físicos apresentados pelos pacientes. Porém, isso pode ser problemático e reforçar a ideia de que a mente e o corpo são coisas separadas. Além disso, a presença de uma condição médica não significa que não haja um problema na saúde mental.

A nova classificação Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM-5-TR) usa sintomas positivos (sintomas físicos angustiantes e pensamentos, sentimentos e comportamentos anormais em resposta a esses sintomas) para diagnosticar transtornos somáticos. Atualmente, os critérios para esse diagnóstico são:

  • Um ou mais sintomas somáticos que são angustiantes ou causam uma interferência significativa na vida diária.
  • Pensamentos, sentimentos ou comportamentos excessivos relacionados aos sintomas somáticos ou preocupações de saúde associadas, manifestados por pelo menos um dos seguintes critérios:
  1. Pensamentos desproporcionais e persistentes sobre a gravidade dos sintomas;
  2. Nível persistente e elevado de ansiedade em relação à saúde ou sintomas;
  3. Tempo e energia excessivos dedicados a esses sintomas ou preocupações de saúde.
  • Embora qualquer um dos sintomas somáticos possa não estar continuamente presente, o estado de estar sintomático é persistente (tipicamente por mais de 6 meses).

O médico responsável pelo diagnóstico de somatização também deve levar em conta o histórico do paciente, incluindo a frequência com que ele procurou diferentes especialistas sem encontrar causas orgânicas para seus sintomas. Esse comportamento pode ser um sinal de somatização. Além disso, é importante verificar se o paciente já foi diagnosticado com transtornos mentais, como depressão, ansiedade ou bipolaridade, pois essas condições aumentam a suscetibilidade à somatização.

Como prevenir as doenças psicossomáticas?

Pessoa visivelmente incomodada com alguma dor no corpo

Assim como em todas as outras doenças que nos acometem, o caminho da prevenção é sempre mais confortável, ainda que seus efeitos sejam menos imediatos — mas lembre-se da prazerosa sensação de dever cumprido!

  1. Primeiro, busque autoconhecimento com autocuidado para manter um melhor equilíbrio emocional e físico. Conhecer, aceitar e superar quem somos são etapas neste processo.
  2. Não tenha medo de se expor no palco da vida, fale sobre o que sente e pensa, acolha seus sentimentos e necessidades.
  3. Mantenha uma boa alimentação. Busque cuidar de si, faça exercícios físicos, mas sem sobrecarregar nas atividades;
  4. Traga o que lhe dá prazer à sua rotina. Além disso, momentos de descanso não são só merecidos, mas também necessários;
  5. E, por fim, inspire e respire, mantenha-se no hoje e conecte-se com você mesmo.

Lembre-se de que não há problema em não atingir todos os objetivos, contanto que estejamos tentando e fazendo o nosso melhor. Ao identificar o estresse, colocamos muita pressão sobre nós mesmos. Esta pressão, portanto, está sob nosso controle. Equilibre-a.

Conheça os tratamentos

Como já ficou claro, o tratamento de um transtorno psicossomático é quase sempre assistido de forma multidisciplinar.

O papel do psiquiatra é fundamental para identificar e analisar o transtorno associado e, quando aplicável, receitar medicações. O psicólogo, por sua vez, irá trabalhar com o paciente para que este crie novos mecanismos na sua relação com frustração, estresse, traumas e transtornos. Juntos, eles buscam identificar as causas mais profundas da somatização.

Já o clínico geral segue cuidando do corpo. Embora ter se iniciado no âmbito psicológico, o estresse causa efeitos bem reais e sensíveis ao corpo, como inflamações, dores e indisposições. A atenção primária deve estar sempre acessível, pois mesmo identificada uma doença psicossomática, novos sintomas físicos irão necessitar novas investigações físicas.

Acesso a medicamentos anti-inflamatórios e outros tipos de tratamento seguem relevantes. Massagem, fisioterapia, tratamento especializado para dor são essenciais no curso do tratamento.

Onde buscar ajuda

É importante manter frequência no contato com um médico e psicólogo de confiança. Não apenas para este tema, mas para tudo que envolve planejamento e tratamento de saúde.

Caso o paciente identifique que precisa de ajuda ou conhece alguém que está precisa de acolhimento especializado, entre em contato com a equipe do Norden Hospital.

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[Atualização em 17/04/2023: Mais detalhes sobre sintamos e diagnóstico]
[Atualização em 08/01/2022: Corrige o nome da médica Cicely Saunders e re-edita alguns trechos para mais clareza]

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