Saúde na era digital: o poder do paciente e os desafios do novo médico.
Equipe NSaúde
15 de set. de 2021 - Leitura de
5 min
Quem nunca consultou o Dr. Google? Virou hábito buscar na Internet informações sobre dores, sintomas de doenças e preocupações com a saúde, antes de visitar um médico. Isso tem provocado mudanças profundas na relação entre provedores e pacientes. Neste artigo vamos abordar aspectos positivos e negativos da saúde na era digital.
É fato que muitos pacientes estão chegando aos consultórios médicos mais bem informados do que antes. E isso é ótimo. A tomada de decisões sobre saúde não pode ser uma via de mão única, dominada apenas pelo profissional, como era mais comum em décadas atrás.
Em tempos normais as pessoas já estão mais atentas a questões relacionadas à sua saúde. Durante a pandemia essa preocupação ficou ainda maior, por razões óbvias. Mas, como veremos, novos problemas surgem quando a responsabilidade de filtrar o imenso fluxo de informações sobre saúde recai sobre pessoas sem qualquer treinamento para fazê-lo.
Os cibercondríacos
Uma pesquisa realizada pelo Google revela que 26% dos brasileiros fazem buscas relacionadas à saúde na Internet. Estamos no topo deste ranking. O índice se aproxima do percentual de pessoas que têm o médico como primeira opção (35%).
Se, por um lado, a democratização da informação dá mais poder ao paciente, por outro pode ter efeitos negativos.
Como o volume de informações sobre saúde na Internet é muito grande, torna-se praticamente impossível filtrar o que é confiável e o que não é. Não são muitos os veículos online comprometidos em divulgar somente conteúdo médico baseado em evidências científicas.
O resultado pode ser visto pelo estudo publicado pela JAMA Internal Medicine, que indica o crescimento da procura por práticas ou tratamentos médicos que ainda não têm eficácia e segurança comprovadas cientificamente. E quando são realizados sem supervisão médica, o risco é ainda mais sério. A automedicação é um problema antigo que tem ganhado proporções preocupantes, a ponto dessas pessoas ganharem um nome novo: os cibercondríacos.
Quando a saúde na era digital vira doença?
De acordo com o trabalho “Behavior and Social Networking” (Comportamento e Rede Social) do psicanalista Francisco Daudt, publicado no periódico Cyberpsychology, citado em artigo publicado no site da ABCD – Associação Brasileira de Colite Ulcerativa e Doença de Crohn - “ninguém se torna hipocondríaco por causa da Internet”. Contudo, por ampliar o universo imaginário de pessoas excessivamente preocupadas com doenças que, na verdade, não existem, ela pode ser uma fonte de ansiedade e insegurança com relação à saúde.
A busca por informação sobre remédios e tratamentos pela Internet deixa de ser benéfica quando impacta negativamente na qualidade de vida das pessoas. A saúde na era digital vira também uma doença quando afeta as nossas atividades diárias — sejam pessoais, escolares ou profissionais.
Além do risco de encontrar doenças imaginárias, passar tempo demais na Internet pode trazer consequências bem reais à saúde, como visão turva, conjuntivite, vermelhidão nos olhos, tensão ocular, além de alterações auditivas — principalmente se exagerar também no fone de ouvido.
Outros danos colaterais não menos importantes, como dores no corpo e insônia, esta provocada pela exposição à luz azul emitida pelas telas.
Entre a Informação e a ação
Informação sobre saúde nunca faz mal — seja ela digital ou "orgânica". O que pode fazer mal é a ação que tomamos a partir dela. Estar bem informado é o primeiro passo para resolver outro grande problema de planejamento: a inação.
A despeito dos problemas provocados pelo uso excessivo da Internet (que merecem toda a atenção), aprender informação de qualidade sobre temas básicos de saúde, higiene, prevenção de doenças e alimentação torna a todos nós pessoas melhores.
Assim como traz benefícios diretos para o paciente, colabora também para o avanço da própria Medicina. Uma população bem informada tem tudo para tornar mais eficazes a prevenção, o diagnóstico, o tratamento e a recuperação.
Desta forma, a saúde na era digital pode vir a ser muito mais do que apenas a facilidade de encontrar informações sobre o funcionamento do corpo humano. Conhecimento é o principal combustível da inovação. Por isso que muitas empresas, agentes públicos, universidades se engajam ativamente para oferecer informações médicas seguras e de boa qualidade.
Além de instituições, estudos mostram que comunidades virtuais - como as encontradas em fóruns, blogs, grupos do Facebook e Twitter - trazem resultados benéficos para os pacientes. Nelas, eles trocam experiências e informações mais confiáveis sobre o diagnóstico e o tratamento de doenças em comum.
Aqui podemos citar dois estudos: “Uso de comunidades virtuais no suporte a portadoras de câncer de mama” dos pesquisadores Myllena Cândida de Melo Paulo Roberto Vasconcellos-Silva; e o “Experiências de pacientes com câncer divulgadas nas redes sociais virtuais” desenvolvido por um grupo de pesquisadores da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul.
Esta troca de vivências é fundamental porque, muitas vezes, o profissional da saúde passa por desafios muito diferentes daqueles vividos pelos pacientes.
Assim, os integrantes dos grupos acompanham depoimentos de pessoas que passaram pelas mesmas situações, contendo detalhes importantes que podem ajudar no tratamento.
Os desafios do novo médico na era digital
Telemedicina, diagnósticos mais precisos, gêmeos digitais (digital twins), aprendizado de máquina e Inteligência artificial, planos de cuidado acessíveis 24 horas por aplicativos, análise e gestão de atividade física. São muitos os avanços que a era digital trouxe e continuará trazendo à medicina. Mas quais são os desafios que chegaram junto com ela?
Um dos principais deles é justamente como este novo comportamento do paciente impacta na sua relação com o médico. Para se adaptar, o provedor precisa assumir uma nova postura e uma comunicação mais horizontal.
O paciente tem hoje, mais do que nunca, informações para contribuir no seu tratamento. Quer e deve ser ouvido com atenção, ser reconhecido em seu esforço de entender melhor sua condição de saúde. Seja sua doença real ou imaginária, seu ponto de vista deve ser respeitado sempre.
No livro "Se Disney Administrasse seu Hospital: 9 ½ coisas que você mudaria", o autor Fred Lee lista quais são os principais pontos que os pacientes levam em conta para avaliar seu atendimento em um hospital, resumindo eles com uma frase: "os pacientes julgam sua experiência pela forma como são tratados como pessoas, e não como é tratada a sua doença".
Dessa forma, os médicos precisam se adaptar e, efetivamente, se tornar comunicadores melhores. Não só para falar, mas para ouvir também. Ainda que tenham a palavra final em qualquer tratamento — já que estudam para isso — devem reconhecer no paciente e em seus familiares aliados na busca por resultados, não competidores.
Vale lembrar que este mesmo fenômeno também tem se tornado comum em outras situações, como entre alunos e professores, por exemplo.
O bom médico desce do pedestal
Em qualquer área da ciência, o especialista nunca pode se comportar como dono de autoridade incontestável. Pelo contrário, é quando ele passa a desempenhar o papel de ouvinte ativo e de orientador que sua prática evolui melhor. Para o médico, por exemplo, ter o paciente munido de mais informação é uma oportunidade, não um problema.
O profissional da saúde na era digital precisa se aprimorar e se atualizar ainda mais, dispor de fontes confiáveis de informação e estar preparado para abordar novas estratégias terapêuticas.
Incontestavelmente, a produção da medicina científica atual também é volumosa e, não raro, novos conhecimentos tornam obsoletos estudos anteriores. Por outro lado, o médico também tem acesso a um volume de informações antes isolado em bibliotecas, se muito. Com a internet, tornou-se muito mais fácil comprar livros e revistas especializadas, além de participar de congressos e seminários.
Em resumo
O avanço tecnológico trouxe a medicina a outro patamar e estabeleceu novos parâmetros na relação médico/paciente.
A informação é abundante e está mais acessível. Porém, nem todas as fontes são confiáveis. Enquanto uma população melhor informada é importante para o avanço da medicina, a ação não-supervisionada gerada por este conteúdo pode ser prejudicial à saúde física e mental das pessoas.
A medicina vai continuar evoluindo, as informações se multiplicando, mas algo não vai mudar: a supervisão e o aconselhamento de um médico para questões de saúde continuará sendo a forma correta, mais eficaz e inteligente, de prevenir e tratar doenças.